quarta-feira, 1 de junho de 2011

Por que falar de jornalismo colaborativo? Por que falar sobre o Whiplash?

Mesmo antes da discussão sobre a obrigatoriedade ou não do diploma para execução do trabalho do jornalista, o jornalismo e o webjornalismo colaborativo já pautavam debates e eram temas de pesquisas acadêmicas. Na prática, há mais de uma década veículos do mundo inteiro fazem seus experimentos sob esse formato, em que o leitor pode também contribuir com conteúdo.

No mundo, um dos mais reconhecidos casos de êxito em webjornalismo participativo é o portal sul-coreano OhMyNews, que tem o lema “Cada cidadão é um repórter”. Há onze anos o site recebe matérias e artigos de pessoas sem formação em comunicação social, e, após revisão de uma equipe apuradora, publica o material. Pelos nove primeiros anos de existência do site, os autores das matérias no OhMyNews receberam pequenos pagamentos.

No Brasil, foi criado em 2007 o “canal de jornalismo cidadão” do portal Terra, vc repórter, que é o de maior expressão. De formato semelhante, o espaço Leitor-Repórter, do site zerohora.com, é o mais lembrado representante do jornalismo participativo online no Rio Grande do Sul, na ativa também há quatro anos. Nos dois canais, o usuário pode enviar textos, fotos e vídeos e contando fatos sob sua ótica, nem qualquer tipo de remuneração.

Em 1996, quatro anos antes do lançamento do OhMyNews, o engenheiro maranhense João Paulo Andrade e seus companheiros de IRC (Internet Relay Chat) deram base à criação do site Whiplash, voltado ao público fã de rock’n’roll e heavy metal.  Por três anos o veículo foi sustentado com conteúdo elaborado pelos membros do chat, mas a partir de 1999, com o grande volume de material enviado por leitores, o site passou a ser colaborativo.

Desde então, o Whilplash ganha cada vez mais notoriedade entre o público que busca por notícias e outros conteúdos sobre rock e heavy metal. Hoje o site é o mais acessado entre os que tratam do mesmo tema no Brasil e tem em média 727 mil visitantes e 6,3 milhões de pageviews por mês, de acordo com as estatísticas do Google Analytics disponível para consulta no próprio siteAtualmente o Whiplash tem com editor, além de João Paulo Andrade, o paulista Marcos A. M. Cruz. Os dois dividem a tarefa de selecionar o material enviado voluntariamente por centenas de colaboradores fixos e eventuais de todo o Brasil.

A partir de entrevistas com o idealizador do site e com leitores, os posts a seguir terão como objetivo contribuir para um melhor entendimento dos fatores e características que fizeram do Whiplash um veículo de referência na imprensa musical online no país.

Entrevista com João Paulo Andrade

João Paulo Andrade foi quem idealizou o Whiplash em 1996. O manteve com ajuda de participantes de um chat por três anos, até outros usuários começarem a contribuir. Assim, o Whiplash se tornou um site colaborativo. Na entrevista a seguir, ele conta alguns detalhes desses 15 anos de Whiplash.
João Paulo Andrade, editor do Whiplash!


Como o site foi divulgado assim que ele surgiu?


Faz tanto tempo que é difícil lembrar em detalhes precisos.
Antes de existir Google, cada nova página criada era cadastrada em mecanismos de busca, internacionais como o Yahoo! e nacionais como o Cadê. Divulgava em canais de bate-papo existentes na época dedicados a rock e metal, no irc da Undernet, em listas de links mantidos por alguns sites nacionais como UOL e etc que listavam alguns links escolhidos semanalmente e enviava para revistas de internet que sugeriam sites, como a finada Internet World. Participava também de concursos diversos de melhor site de música e etc...
Isso tudo faz pensar o quando a internet mudou, não? :)




Como foi o processo de transição para o sistema colaborativo? Quando foi e o que fez você concluir que era necessário aderir esse formato?


Não houve um ponto de mudança. Um dia algum amigo mandou material, outros amigos viram e mandaram mais material... Num determinado ponto percebi que ao invés de escrever tudo valia a pena investir em facilitar o envio de material por outros usuários.

Sem perceber o site virou colaborativo. Foi orgânico, não foi premeditado.


O Whiplash começou como um site despretensioso. O que o levou a ser, hoje, referência no jornalismo online de música no Brasil? 


Se eu soubesse a fórmula ficaria rico com outros sites :D 
Acho que ajudou muito o fato de ser o primeiro. Desde os primórdios da internet saímos na frente. Hoje em dia emplacar um site como este do zero é muito difícil. Tivemos oportunidade de crescer devagar junto com a internet e ir aprendendo. 
Arriscar um bocado indo na contramão da manada em alguns aspectos com certeza ajudou. O pioneirismo em aspectos como aceitar comentários dos usuários, aceitar colaborações dos usuários, etc, antes desse tipo de coisa virar moda, ajudou também.
Destacaria ainda o foco no conteúdo e comunicação com o público e não em layout e recursos "bonitinhos".


Conforme o site se expandiu/se expande, que novos cuidados foram/são tomados com sua "reputação" na web como veículo?


Nem tem a ver apenas com manter a reputação.
Ficar de olho no que está sendo comentado, no site e fora dele, nos permite fazer ajustes rápidos, corrigir os erros - sejam erros objetivos em matéria, sejam erros de estratégia. Responder aos usuários, sempre, mesmo que não seja possível atender as solicitações. Além de ajudar a manter a reputação esta comunicação ajuda a manter o site eficiente.


Quais notícias ficam de fora da lista de notas diárias?


90% do conteúdo recebido é publicado. Apenas não entram matérias extremamente mal-escritas (quando a correção dos editores não seria suficiente) ou claramente exageradas ou infundadas. 
Existe um longo e detalhado tutorial que explica sobre as regras de formatação e estilo que devem ser adotadas no envio de material para o site, disponíveis na própria página que tem de ser usada para o envio de informação. Os próprios formulários filtram boa parte dos erros de forma automática. Em qualquer caso de não aproveitamento, o colaborador recebe por email explicações sobre o motivo da não-publicação.
Os colaboradores são retro-alimentados com mais informações para poder enviar o material de forma cada vez mais adequada. Então a não publicação de um material não significa que este material não possa ser reenviado e publicado mais tarde.
De forma bastante orgânica, devido a esta comunicação semi-automática com os colaboradores, à medida que eles escrevem mais conteúdo para o site, a quantidade de erros de formatação ou estilo neste conteúdo vai diminuindo.


O sistema que seleciona as notícias e os destaques que aparecem na homepage não limita ou condiciona o conteúdo principal do site a tratar sempre dos mesmos artistas?


Sem sombra de dúvidas que sim, é uma faca de dois gumes. Mas a alternativa de usar a opinião de um editor para escolher o destaque seria um sistema sujeito a erros mais graves.
Este perfil mais "frio" do Whiplash! no trato de detalhes como este pode ser um dos diferenciais positivos do site.


Qual o perfil do colaborador do Whiplash? Há muitos jornalistas entre os colaboradores?


São fãs de Rock e Metal e acima de tudo fãs de Rock e Metal. 
Acredito que todo colaborador é um rockstar frustrado. Explico: todo mundo que gosta de rock quer ter uma banda, cantar, tocar guitarra, ser o centro das atenções. Nem todo mundo consegue. Mas todo mundo pode se tornar um colaborador do Whiplash! e ser famoso no meio rock e metal. 
Entre estes fãs existem alguns jornalistas. Mas isso, com todo respeito à classe, não faz muita diferença no caso do Whiplash. Temos excelentes colaboradores jornalistas ou não. Bem como colaboradores não tão excelentes, jornalistas ou não.


O site publica alguns boatos que surgem em outros sites e redes sociais (o Twitter, na maioria das vezes). Qual a importância para o Whiplash publicar incertezas?


A linha entre boato e não-boato é muito tênue. 
Na maior parte das vezes que divulgamos algo que é classificado como boato, estamos divulgando uma informação sobre, por exemplo, um planejamento de show ou algo do tipo. Planejamento que existe (e não é um boato, portanto) mas que muitos entendem como uma afirmação de que um show será realizado. 
Por exemplo: se dizemos que "Uma tour da banda Kiss está sendo negociada para setembro de 2011 no Brasil", muitos entendem que estamos garantindo que a banda Kiss se apresentará no Brasil em setembro de 2011. Mas apenas dissemos que a tour estava sendo negociada, embora ainda sujeita a cancelamentos ou não-concretização por qualquer motivo. 90% das acusações que sofremos de estar divulgando boatos na verdade se referem a interpretação errada de notas deste tipo. 
É preciso ainda levar em conta que no meio rock e metal, por natureza, os membros de banda, promotores e etc, por motivos diversos, escondem informações enquanto possível sobre temas diversos. esperar apenas por informações concretas de membros de bandas e promotores é contar com a fonte mais viciada do meio.

Entrevista com André Pase, antigo colaborador

André Pase, jornalista e professor de Jornalismo Online na Faculdade de Comunicação Social da PUCRS, foi um dos primeiros colaboradores do Whiplash nos anos 90. Ele fala sobre os primórdios do site e opina sobre jornalismo colaborativo no meio musical. Confira!

O que os leitores têm a dizer

Para o fã de rock’n’roll e heavy metal, tão importante quanto ouvir música é acompanhar a carreira de artistas, estar atento a lançamentos de álbuns e início de turnês, conhecer o contexto dos clássicos do gênero e até entender de técnicas instrumentais. Exteriorizar essas noções é contribuir para um conhecimento coletivo e também se afirmar. Nas últimas décadas, esse estilo de música popular mais agressiva transcendeu esferas e tornou-se manifestação cultural mundializada, em torno da qual se construiu uma sólida imprensa específica.
Nessa cadeia midiática, o jornalismo colaborativo se faz cada vez mais presente. De fato, esses meios de interação não poderiam deixar de ser incorporados em veículos especializados em música. Os consumidores desse tipo de informação – e especialmente os fãs de rock – têm por natureza a tendência de compartilhar conhecimento.
O Whiplash! conta com uma ista extensa de colaboradores fixos e eventuais, que enviam material voluntariamente. É a filosofia do site é investir na comunidade que existe em torno dos estilos musicais abordados. O investimento lhe rende um público fiel crescente e mais de 6 milhões de pageviews por mês, além de polêmicos comentários críticos.

O blog conversou com quatro leitores sobre alguns dos pontos do site que mais fomentam discussão. Alessandro Ferrony é jornalista e tem 32 anos. Érico Francisco Rocha da Silva, 30, é ilustrador e publicitário. Rafael Santos, de 23 anos, é estudante universitário e músico. Raphael Trevisan é um técnico em TI de 22 anos. Todos eles conheceram o Whiplash em meados dos anos 2000 e visitam o site, no mínimo, duas vezes por semana desde que o descrobriram.
Ao jornalismo tradicional, os quatro rapazes pouco recorrem, com exceção, por óbvio, do único jornalista entre eles. As informações que Raphael, Rafael e Érico procuram são principalmente sobre música, em blogs e sites especializados, blogs de rádios, sites oficiais de bandas e de produtoras, redes sociais e leitores de feeds. São também em meios alternativos que os três procuram por outros assuntos específicos de seus interesses. 
O jornalista Alessandro se mantém informado por telejornais e pelos jornais impressos Zero Hora, Jornal do Povo e O Correio. Os dois últimos são publicações de seu município, Cachoeira do Sul, e nos quais ele participa através de comentários, sugestões de pautas e correções. Sobre música, além do Whiplash, Alessandro também visita o UOL Música.
Dos quatro, três são, além de consumidores de conteúdo cultural, também colaboradores em alguns veículos. Alessandro publicou incontáveis resenhas de shows e CDs, fotos, matérias, entrevistas e colunas em sites como PUNKnet, ValePunk, Sorocaba Underground, Extreme Nuts, Jornal do Rock RS, HC Nordeste e outros, entre 2003 e 2008. Também em revistas e zines de maior expressão, como Rock Brigade e Comando Rock. Para o Whiplash, Alessandro contribuiu apenas uma vez, quando enviou uma nota sobre o lançamento de um disco da banda Rosa Tattooada. No momento, Alessandro tem como hobby abastecer o blog de rock e humor O Fim da Várzea, que retrata de maneira descontraída tudo o que acontece na cena rock de Cachoeira do Sul (RS). Érico também já colaborou com fanzines e blogs sobre universo geek (games, quadrinhos, etc) e temas sociais e políticos. A contribuição de Rafael é numa linha diferente: há alguns meses ele envia textos ao Recanto das Letras, site que reúne poesias e pensamentos de centenas de colaboradores no país.

Todos eles acham importante a existência dos dois editores profissionais no Whiplash. “Isso contribui para a riqueza do conteúdo, pois até hoje não presenciei nenhum erro ortográfico ou semântico no conteúdo do site, e também não encontrei sequer uma matéria escrita com pobreza de conteúdo e de forma”, avalia Raphael. Érico concorda, e não apenas com a questão da escrita correta: “Isso dá credibilidade ao o que é publicado, senão 'vira bagunça', como no caso do portal Terra (que possui matérias escritas inclusive pelos próprios usuários do portal) e que publicou certa vez uma reportagem sobre a visita de Jimmy Page no Brasil, na qual ele era citado como BATERISTA da sua antiga banda Led Zeppelin”, recorda. Os outros dois, Alessandro e Rafael, mesmo ao considerar positiva a edição dos conteúdos por profissionais, afirmam que acessariam o site mesmo se esse controle não existisse. Alessandro explica: “Continuaria lendo mesmo assim, julgo ter feeling suficiente pra sacar quando uma informação é verdadeira ou não. Mas evidente que com o filtro de profissionais diplomados a credibilidade é maior”. Os quatro leitores dizem também confiar no que é publicado pelo site e que em raras ocasiões buscam confirmação do que leem no Whilplash em outras fontes, como quando anunciam datas de shows.
Quanto à home do site, onde ficam apenas as notícias tidas como principais, a valiação dos rapazes entrevistados é positiva. Rafael Santos descreve bem a opinião dos quatro: “A página inicial tem mesmo que conter algo mais 'sortido' para chamar a atenção e mostrar ao leitor que não esta familiarizado com o site que ele tem bastante conteúdo diversificado a oferecer. Quem realmente quer se informar mais sobre os determinados assuntos ou artistas, vai saber procurar no site e ler”.
Sobre as notícias estilo tabloide que eventualmente aparecem no Whiplash, as opiniões divergem, da mesma forma como acontece nos comentários online no site sobre esse tipo de nota. Raphael e Alessandro não veem tanto problema na publicação de textos sobre a vida pessoal dos artistas. “Creio que qualquer fã, de qualquer tipo de artista, deseja sempre saber mais sobre os mesmos. Todo fã deseja, de certa forma, participar da vida de seu ídolo. Então, este tipo de conteúdo é sim benéfico, pois 'é disto que o povo gosta'! Alessandro avalia de uma forma mais mercadológica, que pelo trabalho no ramo, tem conhecimento: “É normal encontrarmos respingos da imprensa cor-de-rosa até mesmo no meio metal. O público consome isso, é comércio, normal”. Érico e Rafael são mais radicais a respeito. Érico solta “Tenho mais o que fazer. Eu gosto de música e da carreira das banda. Não tenho interesse na vida dos integrantes”. Rafael também tem uma resposta curta: “Deveriam cortar esse tipo de matéria sobre vida íntima”.
Os quatro acreditam no jornalismo colaborativo, não só em veículos sobre música. Para eles, nas editorias ambiental, de literatura e de games esse formato também funciona muito bem. “A evolução da era da informação proporciona tecnologias para que as informações tendam a ser mais compartilhadas e colaborativas”, completa Raphael Trevisan.
Para esses entrevistados, e para a maioria dos leitores do Whiplash, o que é relevante nessa mídia especializada, mais do que uma formação acadêmica e um currículo respeitável, é a propriedade com a qual o assunto é tratado, o domínio sobre o que é compartilhado e as experiências que quem escreve tem a dividir.